NOVO PROJETO DE LEI PRETENDE CORRIGIR A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

 

Inacio de Carvalho Neto[1]

Sumário: 1. Introito. 2. Análise do Projeto. 3. Conclusão. 4. Referências.

Resumo: O texto noticia a propositura, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº. 4.908/12, que pretende corrigir vários aspectos do Código Civil em matéria de sucessão do cônjuge e do companheiro. Comenta artigo por artigo alterado pelo projeto e compara o projeto em questão com outros já propostos com o mesmo fim.

Abstract: The text announces the commencement, in the Chamber of Deputies, the Law Project nº. 4.908/12, which seeks to correct various aspects of the Civil Code in matters of succession of the spouse and the companion. It comments article by article amended by the project and compares the project in question with others already proposed with the same purpose.

Palavras-chave: Sucessão. Cônjuge. Companheiro. Projeto.

Key words: Succession. Spouse. Companion. Project.

 

1. Introito

O presente texto tem por objetivo noticiar a propositura, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº. 4.908/12, que pretende corrigir vários aspectos do Código Civil em matéria de sucessão do cônjuge e do companheiro. Trata-se de tema já amplamente debatido na doutrina, sendo consenso irrestrito o fato de que o Código deixou a desejar nessa matéria, consagrando diversas injustiças.

O projeto em questão foi proposto pelo Deputado Federal pelo PSC/PR Hidekazu Takayama, servindo-se das conclusões da tese de doutoramento defendida pelo autor deste texto perante nobre banca na USP. Fica aqui registrado, desde já, um especial agradecimento ao Dr. Luciano de Almeida Gonçalves, assessor do nobre Deputado, pelo encaminhamento da proposta.

Como é fato notoriamente sabido, vários projetos de lei já foram propostos no Congresso Nacional pretendendo a melhor regulamentação deste tema. Neste breve estudo, mencionaremos, para fins de comparação, apenas quatro deles: o Projeto nº. 6.960/02, do Deputado Ricardo Fiúza, apresentado na Câmara antes mesmo da entrada em vigor do Código Civil de 2002, propondo a alteração dos arts. 1.790, 1.829, 1.831 e 1.834 (afora outros referentes a outros temas); o Projeto 4.944/05, do Deputado Antonio Carlos Biscaia, por sugestão do Ibdfam, pretendendo alterar os arts. 544, 1.829, 1.830, 1.831, 1.832, 1.837, 1.838, 1.839, 1.845 e 2.003 e revogar o art. 1.790; o Projeto nº. 267/09, proposto no Senado pelo Senador Roberto Cavalcanti, pretendendo a alteração dos arts. 1.829, inc. I, 1.830, 1.834 e 1.845 e o acréscimo do art. 1.829-A para tratar da sucessão do companheiro, com a revogação do art. 1.790, projeto este aprovado com substitutivo no Senado e que se encontra atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, sob o nº. 7.583/10; e o Projeto nº. 508/07, proposto na Câmara pelo Deputado Sérgio Barradas Carneiro, exatamente nos mesmos termos do Projeto nº. 4.944/05, já que também oriundo do Ibdfam.

 

2. Análise do Projeto

 

Pretende o projeto alterar os seguintes artigos do Código Civil, a seguir transcritos e comentados, comparando a redação atual com a redação do Projeto:

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes importa adiantamento do que lhes cabe por herança.

Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados.

 

A ideia aqui é suprimir a referência ao cônjuge na exigência de colação do adiantamento da legítima, retornando, assim, à redação do Código de 1916 sobre a matéria, muito mais consentânea com a realidade.

A inclusão do cônjuge no art. 544 do Código de 2002 foi equivocada: não é o fato de o cônjuge ter sido erigido à condição de herdeiro necessário que faz com que seja obrigatória a colação, assim como não é (e nunca foi) o ascendente obrigado a colacionar, posto que seja (e já era) herdeiro necessário. É conveniente, pois, alterar os arts. 544 e 2.003 para retirar a referência ao cônjuge. Não é o caso de alterar o art. 2.002 para incluir a necessidade do cônjuge colacionar, como já se pretendeu.

Convém notar que os Projetos 4.944/05 e 508/07 também pretenderam a mesma alteração nestes dois dispositivos, o mesmo não ocorrendo com os Projetos 6.960/02 e 267/09, que não tencionaram a alteração destes artigos.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.

§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão.

Art. 1.561. .........................................

§ 3º. Os efeitos da putatividade se estendem à união estável, desde que preenchidos os requisitos do art. 1.723”.

 

 

Pretende-se, aqui, incluir um parágrafo ao art. 1.561, com o objetivo de igualar o companheiro ao cônjuge no tocante à putatividade. Sendo o casamento nulo, mas contraído de boa-fé por um ou ambos os cônjuges, produz ele seus efeitos para o(s) cônjuge(s) de boa-fé. A mesma regra deve ser aplicada também ao companheiro, que deve ter o direito de se beneficiar dos efeitos da união estável se contraiu uma união estável viciada, mas de boa-fé.

Obviamente, devem estar preenchidos os requisitos do art. 1.723, sem os quais não se caracteriza a união estável. Assim, se, v.g., uma mulher contrai uma união estável com um homem casado, sem saber que ele o é, deve ela ser beneficiada com os efeitos da citada união, em razão de sua boa-fé. É isso que pretende o Projeto.

Convém notar que nenhum dos Projetos citados pretendeu a alteração que aqui se propõe, sendo, nesta parte, este Projeto exclusivo.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.723. .................................

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

Art. 1.723. ..........................................

§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521, não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada judicialmente”.

 

Pretende-se aqui retirar a separação de fato como autorizadora da constituição de união estável, o que, além de todos os inconvenientes já bastante conhecidos na doutrina, tem o condão de criar confusão em eventual concorrência de sucessão com cônjuge e companheiro.

A separação de fato não deveria ser erigida à condição de autorizadora da união estável, tendo em vista que a separação de fato não extingue os vínculos do casamento, não dissolvendo nem mesmo a sociedade conjugal. Permanecem intactos os deveres do casamento (art. 1.566), inclusive os deveres de vida em comum no domicílio conjugal e fidelidade recíproca, bem como o próprio regime de bens. Isso significa que o enlace sexual de um dos cônjuges separado de fato com terceiro configura infração ao dever de fidelidade; a coabitação estabelecida com o “companheiro”, que certamente implica ausência de coabitação com seu cônjuge, infringe o dever de coabitação do casamento; o regime de comunhão parcial da união estável (art. 1.725) é incompatível com eventual comunhão estabelecida no casamento anterior. Poderia o “companheiro” casado cumprir, ao mesmo tempo, o dever de fidelidade (ou lealdade, nos termos do art. 1.724) da união e o dever de fidelidade do casamento (art. 1.566, inciso I)? Pode a lei proteger uma união que é contrária a um casamento, que tem proteção constitucional (art. 226, caput)? Ademais, como dissemos, tal disposição pode criar problemas sucessórios, por não ser possível a conjugação da regra do art. 1.790 com a regra do art. 1.830. Por tudo isto, parece-nos inconstitucional a disposição do § 1º. do art. 1.723, na parte em que permite a caracterização da união estável sendo um dos “companheiros” apenas separado de fato[2], razão pela qual foi proposta a sua supressão.

Note-se que nenhum dos Projetos citados pretendeu fazer a alteração que aqui se propõe. Embora o Projeto 6.960/02 tenha pretendido alterar este artigo, fê-lo em termos bem distintos, acrescentando outros parágrafos para tratar de temas distintos do que aqui se propõe.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.

Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 1.846.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes, o cônjuge e o companheiro.

Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Art. 1.846. ................................................

Parágrafo único. Deixando, porém, o falecido três ou mais filhos, ou quando concorrer à sucessão cônjuge ou companheiro e pelo menos dois filhos, a legítima se constituirá de setenta e cinco por cento da herança.

Inexistente

Art. 1.963-A. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação do cônjuge e do companheiro:

I – prática de ato que importe grave violação dos deveres do casamento ou da união estável, ou que determine a perda do poder familiar;

II – recusar-se, injustificadamente, a dar alimentos ao cônjuge ou companheiro ou aos filhos comuns;

III – desamparo do cônjuge ou companheiro ou descendente comum com deficiência mental ou grave enfermidade.

§ 1º. Configura perdão tácito, desautorizando a deserdação, o fato de o cônjuge continuar a conviver com o outro depois de ter conhecimento do ato que a permitiria.

§ 2º. A deserdação afasta o cônjuge ou o companheiro inclusive do direito real de habitação.

 

Inspirado no Código Civil português, pretende-se incluir aqui a ideia de legítima variável. No direito brasileiro atual, a legítima é sempre de 50%, não importando o número de herdeiros nem a proximidade do parentesco deles. Entretanto, havendo vários herdeiros próximos, é mais justo que a legítima seja maior, protegendo melhor os herdeiros necessários. É por isso que se pretende introduzir a regra do parágrafo único do art. 1.846, para aumentar a legítima para 75% quando houver pelo menos três herdeiros descendentes e/ou cônjuge ou companheiro.

Ademais, corrigindo injustiça criada pelo Código Civil de 2002, que acresceu o cônjuge como herdeiro necessário, mas deixou de fora o companheiro, pretende-se a alteração do art. 1.845 para igualá-los, acrescendo também o companheiro no rol dos herdeiros necessários.

Com o art. 1.963-A, pretende-se corrigir um defeito do Código Civil de 2002, que acresceu o cônjuge como herdeiro necessário, mas não previu as causas de sua deserdação, criando um vácuo legislativo, que agora se pretende suprir.

Convém notar que o Projeto 6.960/02 não tencionou alterar estes artigos. Já os Projetos 4.944/05 e 508/07 propuseram a alteração apenas do art. 1.845, no sentido da exclusão do cônjuge como herdeiro necessário, restaurando, portanto, a dicção do Código de 1916 nesta matéria. O Projeto 267/09, no entanto, propôs para o art. 1.845 a mesma redação que está sendo proposta neste Projeto, sem, contudo, alterar os demais dispositivos, mas esta alteração foi suprimida no Substitutivo aprovado em seu lugar.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.797. Até o compromisso do inventariante, a administração da herança caberá, sucessivamente:

I - ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;

Art. 1.797. .............................................

I – ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão, não perdendo, contudo, este direito se essa convivência se tornou impossível sem culpa sua; ....................................................

Art. 990 (do CPC). O juiz nomeará inventariante:

I - o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de comunhão, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste;

Art. 990 (do CPC). .................................................

I - o cônjuge sobrevivente ou o companheiro, qualquer que seja o regime de bens, desde que estivesse convivendo com o outro ao tempo da morte deste, salvo se essa convivência se tornou impossível sem culpa dele.

 

Pretende-se incluir no art. 1.797 a ressalva que já havia sido incluída pelo Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/62) no Código Civil de 1916, permitindo que o cônjuge ou o companheiro permaneça como administrador da herança ainda que estivesse separado de fato do de cujus ao tempo de sua morte, se a separação não puder ser atribuída a ato culposo do sobrevivente. Trata-se de norma salutar, que remonta à jurisprudência da primeira metade do século XX, acolhida no referido Estatuto, mas depois esquecida pelo Código de Processo Civil de 1973 e pelo Código Civil de 2002.

Aproveita-se para alterar o art. 990 do Código de Processo Civil no mesmo sentido, incluindo neste também a referência ao companheiro, que foi esquecido pelo legislador de 1973. E ainda se exclui deste art. 990 a exigência de regime de comunhão para a inventariança, entendendo-se que o cônjuge e o companheiro devem ser inventariantes em qualquer dos regimes de bens.

Nenhum dos projetos citados pretendeu a alteração destes artigos.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou companheiro;

III - ao cônjuge ou companheiro;

IV - aos colaterais.

 

Este artigo, que consagra a chamada ordem de vocação hereditária, é fruto da principal alteração deste projeto, colocando o companheiro em igualdade de condições com o cônjuge na sucessão. Em consequência, revoga-se o art. 1.790, tão criticado na doutrina, com razão.

Aproveitou-se para também suprimir a tão criticada condição da concorrência com os descendentes ao regime de bens. De fato, a concorrência não deve depender do regime de bens da união, assim como a sucessão exclusiva do cônjuge (e mesmo do companheiro, desde a Lei nº. 8.971.94) nunca dependeu do regime de bens do casamento.

O Projeto 6.960/02 somente pretendia a alteração da referência errônea que o Código de 2002 fez ao art. 1.640, parágrafo único, corrigindo-a para o art. 1.641. Foi a mesma proposta do Projeto 267/09, sendo que o seu substitutivo incluiu o companheiro no dispositivo, suprimindo o art. 1.829-A do Projeto original. Já o Projeto 4.944/05 pretende a mesma alteração aqui proclamada, acrescentando, porém, um parágrafo único a este dispositivo para dizer que a concorrência do cônjuge e do companheiro com descendentes e ascendentes “dar-se-á, exclusivamente, quanto aos bens adquiridos onerosamente, durante a vigência do casamento ou da união estável, e sobre os quais não incida direito à meação, excluídos os subrogados”. Esta mesma proposta foi feita pelo Projeto 508/07.

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente.

§ 1º. Para o companheiro, somente é reconhecido direito sucessório se, ao tempo da morte do outro, não haviam dissolvido judicialmente a união, consensual ou litigiosamente, e desde que a união fosse exclusiva, devendo ainda ser reconhecida a união estável por sentença judicial transitada em julgado.

§ 2º. Não terá direito à herança o cônjuge cujo casamento se deu in extremis, tendo o autor da herança falecido nos trinta dias seguintes ao casamento em decorrência da doença que tinha ao casar, salvo se o casamento se deu para regularizar uma situação de fato pré-existente.

§ 3º. Igualmente não terá o companheiro direito à herança se a união se iniciou quando o autor da herança já se encontrava gravemente enfermo, vindo a falecer dessa enfermidade nos trinta dias seguintes à constituição da união.

 

Neste artigo, pretende-se, em primeiro lugar, excluir a referência à separação de fato que o Código de 2002 incluiu como causa de exclusão do direito sucessório do cônjuge. A separação de fato não deve ser fator de exclusão dos direitos dos cônjuges, já que o casamento não pode deixar de produzir seus efeitos antes de ser oficialmente desfeito. Ademais, nem sempre a separação de fato tem data facilmente determinável, o que é fonte de incertezas desnecessárias. Restaura-se, portanto, a disposição do Código de 1916, que referia-se exclusivamente à separação judicial. Mesmo com o advento da Emenda Constitucional nº. 66/2010, que pôs fim à separação judicial (segundo entendimento doutrinário majoritário, mas não pacífico), restam ainda casais separados judicialmente antes da citada Emenda (e ainda aqueles que se separarão na vigência da Emenda, seguindo entendimento de alguns), pelo que convinha manter a restrição.

No § 1º. se pretende incluir regra equivalente para o companheiro, guardadas as especificidades da união estável.

Seguindo modelo argentino, pretende-se inserir os §§ 2º. e 3º. ao art. 1.830, visando à exclusão da herança ao cônjuge ou ao companheiro, nos casos de casamento in extremis, ou quando a união se iniciou quando o autor da herança já estava com grave enfermidade, da qual vem a falecer nos trinta dias seguintes ao casamento ou à constituição da união, procurando com isto evitar que o casamento ou a união estável tenham outra finalidade que não seja apenas a formação da família.

O Projeto 6.960/02 não pretende alterar este artigo. Já o Projeto 4.944/05 pretende excluir deste artigo a referência à separação judicial, mantendo apenas a separação de fato como impedimento à sucessão do cônjuge, exatamente o contrário do que se pretende neste Projeto, sem que esteja justificada esta opção na justificativa apresentada com o citado Projeto. O mesmo pretendeu o Projeto 508/07, também sem qualquer justificativa. Já o Projeto 267/09 apenas pretende excluir a parte final deste artigo, que se refere à questão da culpa na separação de fato, o que foi mantido no Substitutivo desse Projeto, que acresceu a referência ao companheiro (cometendo a impropriedade de falar em separação judicial na união estável).

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Art. 1.831. Ao cônjuge ou ao companheiro será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, enquanto viver e não constituir nova união, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, e que pertença exclusivamente ao falecido, ou a este e ao cônjuge sobrevivente.

§ 1º. Mesmo havendo na herança mais de um imóvel, caberá o direito real de habitação se, pagas as dívidas, restar apenas um imóvel.

§ 2º. O direito do cônjuge sobrevivente se estende à posse dos bens móveis que guarnecem o imóvel, enquanto durar o direito real de habitação sobre ele.

 

Neste artigo cuida-se de estender o direito real de habitação ao companheiro, pondo fim à polêmica criada pelo Código Civil de 2002, que não tratou desse direito para o companheiro, gerando grande confusão na doutrina.

Aproveitou-se para restaurar um requisito para a conservação desse direito que já constava do Estatuto da Mulher Casada (Lei nº. 4.121/62), que criou o instituto, mas que foi abandonado pelo Código Civil de 2002: o cônjuge ou o companheiro só farão jus ao direito real de habitação enquanto não constituir nova união. De fato, não é justo que o sobrevivente case novamente ou constitua uma união estável e continue usufruindo do bem, com restrição ao herdeiro que é o seu legítimo proprietário. Deve-se recordar que se trata de direito real sobre coisa alheia, devendo ter aplicação restrita.

Também se inseriu norma no sentido de permitir o gozo do direito real de habitação mesmo que haja mais de um imóvel na herança, se, depois de pagas as dívidas, restar apenas um imóvel. E ainda se pretende estender o direito aos bens móveis que guarnecem o imóvel, medida de lídima justiça.

O Projeto 6.960/02 pretendeu neste dispositivo apenas restaurar a exigência de que o cônjuge não constitua nova união, sem fazer referência ao companheiro e sem tratar dos demais temas neste Projeto acrescidos. O Projeto 4.944/05 também pretendeu acrescer a referência ao companheiro, acrescendo, ainda, a parte final ao artigo para deixar claro que o direito real de habitação só se defere se o bem estiver sob domínio exclusivo do falecido ou deste e do sobrevivente. Pretendeu, ainda, acrescer um parágrafo único para determinar que não haverá direito real de habitação se o imóvel integrar a legítima dos descendentes menores ou incapazes. Exatamente nos mesmos termos pretendeu o Projeto 508/07. Já o Projeto 267/09 não pretendeu qualquer modificação neste dispositivo, mas o seu Substitutivo pretende acrescer-lhe o companheiro, fazendo também referência à posse exclusiva do falecido e do sobrevivente ou somente do sobrevivente (cometendo, neste caso, evidente equívoco, já que aí não entrará o bem no inventário, nem terá o sobrevivente, obviamente, direito real de habitação sobre bem que seja de sua exclusiva propriedade).

 

Redação atual

Redação projetada

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer.

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge ou ao companheiro quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente de todos os herdeiros com que concorrer.

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente.

§ 1o Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.

§ 2o Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.

Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge ou o companheiro. ..............................................

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge ou ao companheiro tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente.

Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge ou ao companheiro.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge sobrevivente, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

Art. 1.839. Se não houver cônjuge e companheiro, nas condições estabelecidas no art. 1.830, serão chamados a suceder os colaterais até o quarto grau.

 

A alteração destes artigos visa, em primeiro lugar, o tratamento conjunto da sucessão do cônjuge e do companheiro, nos termos do que já enunciado no art. 1.829.

Ademais, também se pretende deixar claro, no art. 1.832, que a reserva de 1/4 da herança só se aplica quando o sobrevivo for ascendente de todos os herdeiros com que concorrer, solucionando assim a questão que se coloca vivamente na doutrina da chamada filiação híbrida.

O Projeto 6.960/02 não pretendeu alterar nenhum dos dispositivos aqui enunciados. Já o Projeto 4.944/05 pretendeu a alteração de todos eles, exceto o art. 1.836, também para incluir a referência ao companheiro, sendo que, no art. 1.832, pretende a supressão da reserva de 1/4 da herança. Exatamente nos mesmos termos dispõe o Projeto 508/07. O Projeto 267/09, originalmente, também não pretendia a alteração de nenhum destes dispositivos, mas o Substitutivo lembrou-se de todos eles, exceto do art. 1.836, apenas para incluir a referência ao companheiro.

 

3. Conclusão

Espera-se, com a aprovação deste Projeto, que as graves injustiças criadas pelo Código Civil de 2002 no campo da sucessão do cônjuge e do companheiro sejam resolvidas, afastando-se os vários inconvenientes já amplamente discutidos na doutrina nesta questão e tornando a matéria mais simples para a aplicação prática e mais equânime para as pessoas envolvidas.

 

4. Referências

ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código Civil comentado: direito das sucessões. Coordenador: Álvaro Villaça AZEVEDO. São Paulo: Atlas, 2003, v. 18

CARVALHO NETO, Inacio de; FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil comparado e comentado: direito de família. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, v. 6.



[1] Especialista em Direito pela Universidade Paranaense–Unipar. Mestre em Direito Civil pela Universidade Estadual de Maringá–UEM. Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo–USP. Pós-Doutorando em Direito Civil pela Universidade de Lisboa–Portugal. Professor de Direito Civil na Escola do Ministério Público e na Escola da Magistratura do Paraná. Promotor de Justiça no Paraná. Autor dos livros (entre outros): Separação e divórcio: teoria e prática, pela ed. Juruá, em 11ª. edição; Abuso do direito, pela ed. Juruá, em 4ª. edição; Responsabilidade civil no direito de família, pela ed. Juruá, em 3ª. edição; Curso de direito civil: teoria geral do direito civil, v. 1, pela ed. Juruá; Direito sucessório do cônjuge e do companheiro, pela ed. Método; Direito civil: direito das sucessões, v. 8, pela ed. Revista dos Tribunais; e de diversos artigos publicados em diversas revistas jurídicas.

[2] Cf. CARVALHO NETO, Inacio de; FUGIE, Érika Harumi. Novo Código Civil comparado e comentado: direito de família. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2003, v. 6, p. 281-282. No mesmo sentido: ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Código Civil comentado: direito das sucessões. Coordenador: Álvaro Villaça AZEVEDO. São Paulo: Atlas, 2003, v. 18, p. 64-65.